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Biblia

Quem ler a Bíblia, livro de uma extraordinária beleza, se não conhecer a História das Religiões e da Civilização em geral, corre sério
risco de fazer afirmações que relevam de grande desconhecimento. Bíblia é o plural da palavra grega biblion que significa livro.
Bíblia são, pois, os livros, ou seja, uma coleção de 73 que exprimem o conjunto de textos reconhecidos como canónicos, isto é, oficiais.

Segundo o concílio de Trento, a Bíblia consta de 73 livros sendo 46 do Antigo Testamento que narram a história da humanidade antes de
Cristo e 27 do Novo Testamento que referem a doutrina Cristã

Podemos afirmar que a Bíblia exprime mitos, lendas, histórias, sagas, textos que têm gerado polémicas, mesmo quando são um epifenómeno
da ignorância. No texto que estamos a construir devemos partir de alguns princípios que penso universais.na medida em que configuram uma
religião cósmica que é paradigma de todas as outras.

Em primeiro lugar, existem várias religiões no mundo e os fiéis que as seguem pensam em Deus, nas suas leis religiosas e morais e no Além.

Em segundo lugar, as doutrinas, os conceitos, os nomes partem de realidades concretas que servem de metáforas para as realidades
metafísicas e religiosas e, por isso, invisíveis.

Em terceiro lugar e referindo-nos à Bíblia, o Deus bíblico tem vários nomes: Desde logo, o primeiro inscrito no primeiro versículo do
Génesis, “No princípio criou Eloim o céu e a terra” (Eloim é um plural e à letra significa os deuses). Para os judeus Eloim é o Deus
todo-poderoso que criou tudo quanto existe.

O célebre tetragrama (IAVÉ) que significa eu sou o que sou, Deus. Eu sou Iavé (Êxodo, 3.14). Se quisermos, é Deus sem nome nem imagem.
Os judeus, como de resto os semitas não admitiam nem imagem nem nome de Deus.

Esta pluralidade bíblica dos nomes de Deus demonstra que os poderes, qualidades do Deus dos judeus são influência dos deuses dos vizinhos
Cananeus e, em geral, dos povos da Mesopotâmia. Não devemos ignorar que na Bíblia há conceitos de deus idênticos aos reis do tempo.

Os textos bíblicos do Velho Testamento, como, de resto, os textos sagrados das grandes religiões referem e relatam doutrinas e
acontecimentos ditados pela consciência humana, pelas necessidades de compreender os mistérios da vida, de interpretar a vontade dos
governantes do mundo ou de discordar, admitindo também a possibilidade e o facto de manifestações divinas, usando, nem sempre, uma
linguagem que os homens possam compreender. É neste contexto que devemos perceber a Criação do mundo referida no Génesis, segundo a
qual, quando Deus, depois de criar tudo, descansou (como se Deus precisasse de descansar); o Dilúvio que nem sequer é original na Bíblia
(Gilgamesh, muito antes de Moisés, descreve-o); o código de Hamurabi, ou seja, o conjunto de leis deste rei sumério.

A Bíblia é, como dissemos, o livro dos livros, o livro mais lido do mundo, uma imagem dos tempos primordiais, das transformações do
Médio Oriente. Refere tempos do advento da escrita, da passagem e do triunfo da agricultura sobre a pastorícia e recoleção, da alternância
de reis “democratas”, como Ciro, rei dos Persas, ou sanguinários como Herodes, rei dos Hebreus.

Foi neste espaço que ocorreram as grandes transformações da humanidade, de que vale a pena referir a história de Abel e de Caim. Um era
agricultor (Caim), outro pastor (Abel). Mais que uma história de dois irmãos, e para além das explicações religiosas, segundo as quais este
é o primeiro crime cometido por um irmão, a verdade é que também no Médio Oriente se processou a passagem do sistema pastoril e de
recolectores para o sedentarismo agrícola.

A dureza das transformações ocorridas na mudança dos paradigmas analisados não podia ser mais realista que o símbolo da luta mortal entre dois irmãos.

Raul da Cunha e Silva