Polissemia…Quantos vocábulos haverá não polissémicos? Quantos sentidos se podem atribuir à palavra sonho? Quantas questões se podem
formular relativamente ao sonho?
É extremamente difícil falar no ou do sonho sem cair em situações redutoras. O mais fácil seria dizer que o sonho é o que cada um quiser.
Falar do sonho implica falar do real/irreal, consciência/inconsciência? Haveria aqui uma ideia de contrários, mesmo admitindo que se não
há sinónimos totais também não há contrários absolutos.
Esta problemática encontra-se já na literatura hebraica e grega; a grega apresenta uma variedade de opiniões sobre a natureza e função
dos sonhos através dos tempos e das escolas de pensamento. Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuristas, Pitagóricos todos se debruçaram
sobre o significado dos sonhos durante o sono. Assim, os sonhos seriam mensagens de seres sobrenaturais; seriam uma espécie de vigília,
duvidando-se se estamos acordados ou a dormir. Hipócrates refere o carácter individual e subjectivo do mundo onírico, antecipando-se a
Freud e já Platão lhe deu uma dimensão ainda mais psicológica. Para Jung são uma expressão natural da nossa imaginação e mostram a
nossa realidade interna. Freud com a sua obra sobre a interpretação dos sonhos instaura a era psicológica da pesquisa onírica.
No séc. XXI a Ontopsicologia evidencia a importância da participação do cérebro na formação do sonho.
Não sou filósofa nem psicóloga, talvez por isso tudo o que se passa durante o sono nunca me preocupou nem lhe atribuo, se acaso me
lembro, qualquer valor. Prefiro os sonhos noutra dimensão. E assim cito Pessoa:
Que neste mundo a sonhar se vive”
Se uma mistura de sonho e vida
“Entre o sonho e o sono”
Onde está o sonho?
Que valor Pessoa atribui ao sonho e ao real? Descubra quem quiser, mas prevenido…Mas sabendo que para este poeta nunca é uma esperança
projectada no futuro e que se situa sempre num universo ideal, fora do real e do humano.
Para outros poetas, o sonho é o impulso que leva a Humanidade a ir mais além, a ultrapassar-se. António Gedeão diz que “sempre que o
homem sonha/o mundo pula e avança”. Irrequieto, inconformado Torga escreve “sempre a sonhar e sendo”. E no poema “Sísifo” sonho,
loucura e lucidez são conceitos análogos, assim como para Pessoa no poema D: Sebastião incluído em “Mensagem”.
Cecília Meireles dá-nos uma definição de sonho aparentemente muito simples, servindo-se de uma belíssima imagem: “o sonho é um barco
no mar”. Então o sonho pode ser uma viagem pelo desconhecido, pelo misterioso e fazer essa viagem implica incerteza e confiança,
insegurança e entusiasmo, perigo e coragem, dúvida e vontade, dor e alegria, mas é nesta dualidade que está a nossa liberdade e a
nossa condição de seres humanos.
É assim que sinto o sonho, sonhar que, mesmo com dificuldade consigo chegar e permanecer no cimo da montanha. Se chego ou não, claro
que tem muita importância, mas “o que importa é partir”, não ficando escravo do sonho (há sonhos que escravizam), esperando que por
si só se realizem, que alguém os realize por nós ou encostando-nos ao que fizeram os nossos antepassados. É sempre útil ler Camões,
e o canto VI de “Os Lusíadas” realça que não há viagens sem tempestade.
Ana Alice Cunha