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Cultura Clássica

Sociedade de estudos Latinos, prestigiosa entidade espanhola com a qual a Associação CLENARDVS estabeleceu recentemente uma parceria, está a recolher
assinaturas para apoiar a internacionalização do processo de candidatura à UNESCO, a fim de que o Grego, o Latim e a Cultura Clássica sejam declarados
património cultural imaterial da humanidade.

Pedido muito oportuno e não temos dúvida de que o Grego, o Latim e a Cultura Clássica merecem o estatuto de património cultural imaterial da humanidade.
Juntamente com o judaísmo eles são os pilares constitutivos do que consideramos como Europa, a saber:

1ºAtenas ou a cultura grega. O milagre grego.
2º Roma ou a língua e a administração romana. O milagre romano.
3º Jerusalém, ou seja, a religião judaico-cristã. O milagre judaico.

É sobre estes três milagres, assim definidos por E. Renan (1823-1890) que se alicerçam a cultura e a civilização do Ocidente em vias de se tornarem mundiais.

Analisemos sumariamente cada um deles.

Importância da Literatura e da Civilização grega

Na Grécia criaram-se as formas da poesia, como a Epopeia e a Lírica, a Tragédia e a Comédia, as raízes de todas as ciências que ainda hoje conservam nomes
e terminologia gregos.
Na Grécia nasceu a Filosofia, a História, a Geografia, a Matemática, a Medicina, a Oratória A isto com Renan chamamos o milagre grego com os seguintes indicadores:
Na literatura a criação de todos ou quase todos os géneros literários com as formas e as leis que os têm regido até aos nossos dias;
Na arte, a novidade, a harmonia, o ritmo, o equilíbrio, a evolução natural dos seus estilos;
Na ciência, sobretudo, de início ligada à filosofia, pelo espantoso poder de observação e raciocínio que demonstram, unindo habitualmente o logon didonai
(Dar razão) e o sozein ta phainomena(salvar os fenómenos);
Nas conceções políticas e jurídicas cuja origem verdadeiramente racional remonta aos gregos (História da Cultura Clássica,Lisboa,1967 p168).
Na religião, embora os gregos não tivessem os deuses que mereciam, construíram os mais belos mitos divinos, consignados no Céu, na Terra e nos infernos.

Importância da língua grega

Segundo a Gramática Comparativa de Franz Bopp (1791-1867) quase todas as línguas europeias, como o Grego, Latim Celta, Germânico, médio-orientais como
o Sânscrito, o Persa provém de uma única fonte: o Indo-Europeu.

O Indo-Europeu foi reconstruído teoricamente por linguistas, a partir da comparação das línguas cuja existência pôde ser certificada.

Verificaram-se, assim, tantas semelhanças entre línguas europeias e asiáticas, que dificilmente se admitiria serem obra do acaso.
Por exemplo, em latim,
de onde provêm as línguas românicas como o português, mãe era mater; em gótico – a mais antiga língua germânica de existência comprovada – era mothar;
em irlandês arcaico (língua céltica), mathir; na antiga língua da Índia, matar.

Todas elas eram flexionadas, ou seja, sintéticas atente-se no seguinte quadro:

E com as línguas os seus grandes mitos ou mitemas e dados culturais.

A língua grega ocupa um lugar importante na história – O cânone da literatura grega antiga inclui obras, como os poemas épicos. Grega é também a língua
em que muitos dos textos fundamentais da ciência, especialmente a astronomia, matemática e lógica, os diálogos platónicos, as obras de Aristóteles;
o Novo testamento dos cristãos escrito em grego Koiné.

Entre as línguas da família indo-europeia, o grego aparece isolado.

Apresenta as particularidades comuns com várias outras línguas indo-europeias, mas os grupos de que faz parte variam para cada caso.
É por isso que ele tanto concorda com o latim, o celta ou o germânico, como com o arménio ou o indo-iraniano. Nunca formou um grupo greco-latino (E Fleury pag. 9-10).

Influência dos gregos nos romanos

Graecia capta ferum victorem cepit et artes intulit agresti Latio (Horácio)

Foram os Gregos quem fez passar os Romanos de um predomínio da mentalidade arcaica a um certo domínio da mentalidade racional; foram eles quem lhes abriu
o espírito para perspetivas de verdadeira universalidade; foram eles quem lhes possibilitou a criação de uma alma para o império; foram eles quem, no
domínio das ideias, das formas e dos gostos, na mitologia como na culinária, na eloquência como na poesia, na arquitetura como na escultura e na pintura,
na filosofia como na medicina, na história como na filologia(…). Uma certa inspiração grega faz-se sentir no direito, na sátira, na educação, nas teorias
políticas, mesmo na própria ideia de estado universal, na conceção da Humanitas de Cícero -a maior originalidade filosófica dos romanos.

Cultura Romana e Importância do latim

O latim era língua de pastores e de agricultores como se revela nos nomes próprios. Ex. Marcus, Decimus, Quintus, Ovidius, Asinius, Cícero, Caesar. E nos
nomes comuns, como pecunia derivado de pecu cabeça de gado,optimus de haveres rivalis de rivus rio, putare podar,julgar,Turim de taurus, Itália de vitélio.
O mesmo princípio encontramos na literatura, na arte, na religião, no amor da Terra, da Pátria, no direito, no amor da Humanitas, da Ratio e na organização
social e política.

O milagre latino é essencialmente um milagre de organização e de mediação.

A organização fundada no génio romano constituído pelo imperium, provincia potestas, majestas.
Imperium é o poder soberano, a faculdade de mandar, de fixar todas as medidas necessárias. A partir de Augusto Imperium é domínio império, reino.
Provincia é a esfera de competência de um alto magistrado fora de Roma e posteriormente o território onde o magistrado exercia o seu poder.
Potestas é o poder político como obreiro e organizador do opus ingens.
Majestas designa a grandeza, a dignidade, dos deuses e do povo romano.

A Mediação é a assimilação de costumes, leis, instituições artes, técnicas, ideias e formas de diversíssimos povos sobretudo dos gregos.

Os romanos transmitiram ao mundo um legado rico a que com Renan chamamos milagre romano difundido pelo latim que, segundo J W. Mackail constitui a base
necessária de metade do pensamento humano. (Cultura Clássica p.171)

A importância do latim

Sendo a mãe das línguas novilatinas como o português, francês e as outras, os falantes novilatinos podem considerar o latim como
segunda língua materna.

Vem a propósito trazer à colação os valores primordiais dos latinos consignados na expressão Mos Majorum. Bem analisada in Ab Urbe Condita de Tito Lívio
(sec.1ºAntes de Cristo) cuja essência vamos considerar.

Mos majorum constitui preceitos normativos reconhecidos por toda a comunidade, obrigada a respeitá-los. São um código não escrito de leis e de conduta
com os seguintes fundamentos:
        Fides (boa fé, lealdade)
        pietas A atitude de forte respeito aos deuses, à pátria, aos pais e à família.
        Majestas Superioridade natural do cidadão romano
        Virtus derivada de vir constituía o ideal de um verdadeiro varão romano
        Gravitas Autodomínio, autoridade e dignidade.
        Constantia Estabilidade nas suas decisões
        Frugalitas frugalidade, temperança, modéstia

Finalmente a tradição e a evolução romana encontram uma clara expressão num edito dos censores no ano 92 a C., conservado na obra do historiador Suetónio
no século II:
“Todo o novo, que é feito contrariando o uso e os costumes dos nossos antepassados, parece não estar certo”.

A concluir a formação da Europa é também tributária do milagre judaico-cristão que atentas as circunstâncias é apenas enunciado. Mas é de registar a
conservação do monoteísmo entre todos os politeísmos circundantes e um diálogo quase permanente com o Transcendente.

Raul da Cunha e Silva