A cidade tem os seus foros: tradição de independência, de liberdade e franquia – João Chagas.
O Clube UNESCO da Maia, prosseguindo os objectivos que nortearam a sua génese, cumprindo a
calendarização programática, visitou, no Sábado, dia 11 de Setembro, alguns locais da
cidade do Porto, onde se viveram acontecimentos relevantes na 1ª República e se testemunharam
debates ideológicos entre os maiores vultos literários portuenses.
De ” O Porto Republicano”, escolhemos a Praça da Batalha, o Aljube, e a Praça da Liberdade
para focalizar os acontecimentos da designada “Monarquia do Norte”. A escolha destes locais
deveu-se apenas ao facto de Luís de Magalhães ter sido maiato por adopção e ter vivido nestes
espaços os últimos dias da “Monarquia do Norte”.
A Praça da Batalha, o Aljube, o Hotel Universal ( hoje messe dos oficiais ), o Quartel,
o Teatro S.João e o antigo Eden – Teatro ( situado na rua Alexandre Herculano) estiveram ao
serviço de Paiva Couceiro, durante 25 dias, tantos quantos viveu a “Monarquia do Norte”.
Luís de Magalhães, Ministro dos Estrangeiros da Junta Governativa do Reino, fala, na primeira
pessoa dos episódios entre Monárquicos e Republicanos, da implantação da Monarquia, em 1919,
dos apoios militares que estruturavam a Monarquia de Paiva Couceiro.
” No Porto, pela 1 hora da tarde, contingentes de todos os corpos da guarnição e da Guarda
concentravam-se no Monte Pedral. Pouco depois, Paiva Couceiro comparecia ali acompanhado d´alguns
dos oficiais da Galiza. Entrando a cavalo no quadrado que as tropas formavam foram lidas as
proclamações que são de estilo neste acto. Finda a leitura, desfraldada a bandeira, dadas as
salvas da ordenança, Couceiro encaminhou-se de automóvel, que muitos outros já seguiam para a
praça da Batalha. A surpresa foi estonteante. Mas logo se lhe seguiu a explosão do mais brilhante
entusiasmo. Como que por encanto, à notícia do que vinha de passar-se no Monte Pedral, o Governo
Civil encheu-se duma multidão de muitos milhares de pessoas que aclamavam ruidosamente a
Monarquia, o Rei, a Junta Governativa. A ordem era perfeita. Não se fez uma prisão, não se
exerceu a menor violência contra os adversários. (.) À noite os teatros funcionaram, no meio
de atroadoras manifestações. Os cafés regurgitavam de frequentadores. O ministro da instrução,
casualmente no Porto e o ministro da guerra, que aqui se deslocara para se inteirar dos factos,
regressaram a Lisboa sem que ninguém lhes fizesse mal.
O Teatro S. João e o Eden – Teatro foram mobilizados pela Junta do novo Governo. No primeiro
esteve instalado um destacamento da Infantaria 20; no segundo, um corpo de voluntários a quem
estava destinada a Segurança Pública.
Todavia, o Eden ficou ligado a cenas de violência extrema praticadas pelas tropas de
Paiva Couceiro, a que “O tripeiro” e outra imprensa se referem.
Por sua vez, Luís de Magalhães desmente tais atrocidades, através de artigos publicados na
Imprensa da época. Diz que, depois da vitória dos republicanos, os presos do Eden estiveram
17 meses sem culpa formada e que o tribunal apenas os condenou por Associação de Malfeitores.
O convento de Santa Clara, bem como a Igreja foram ainda locais de visita pelo Clube UNESCO
da Maia. A monumentalidade na concepção barroca da Igreja, materializada na talha dourada,
a todos surpreendeu.
O Aljube (extinto convento das Clarissas) serviu de prisão, quer a democratas, do Partido de
Afonso Costa, quer a monárquicos, em períodos diferentes.
É também pelos depoimentos de Luís de Magalhães que conhecemos o desfecho desta tentativa de
restaurar a Monarquia em Portugal. Da janela do seu quarto, no Hotel Universal, descreve:
Da janela do meu quarto vi que dois pelotões da cavalaria da guarda vinham da Batalha a passo,
aproximando-se em pacífica atitude da sede do comando militar. Tal atitude fez-me crer,
um instante, que esse destacamento viesse reforçar o Quartel General. (.) Mas nisto, vi um magote
de prisioneiros do Aljube (.) mas esses presos eram todos democráticos, ali encarcerados no tempo
de Sidónio Pais.
(…)
Mais uma vez o cego acaso favorecia a República o 13 de Fevereiro, foi, no seu êxito fortuito,
como uma reedição do 5 de Outubro.
(MAGALHÃES, Luís, Perante o tribunal e a Nação, Coimbra,
Coimbra Editora, 1925, pp 24, 27 e 29)
Luís de Magalhães, na obra citada, refere a amizade e altruísmo de um dos maiores vultos da nossa
literatura contemporânea, Guerra Junqueiro, sua testemunha, no julgamento, após o derrube da Monarquia,
em 1919.
“Não podia da mesma forma esquecer as minhas testemunhas quase todas de política adversa à minha e
algumas de propósito escolhidas entre as apresentadas pela acusação – à frente delas Guerra
Junqueiro que nesse lance da minha vida foi o amigo admirável que com uma dedicação sem
limites me cumulou de bondades, de cuidados e do mais generoso interesse nos 26 meses do meu
encarceramento”. (o.c. p 9).
Da escadaria da Igreja de Santo Ildefonso, onde a revolução de 31 de Janeiro de 1891 foi estancada
por forças da Guarda, relembrámos os episódios que a caracterizaram e os grandes vultos portuenses
ligados a essa tentativa de libertação.
Efectivamente a Cidade Invicta marcou a sua presença, neste período tão instável económica e politicamente,
pela acção e intervenção de pensadores, filósofos, escritores, artistas que se reuniam nos cafés e botequins
da “Praça Nova”, hoje Praça da Liberdade, locais que serviram de discussão de ideologias políticas e literárias
que estiveram na base de movimentações militares.
Antero de Quental, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins, Basílio Teles, Sampaio Bruno,
Alves da Veiga marcaram este período com as suas intervenções, denunciando situações polémicas, muitas
delas materializadas na Imprensa da época. Junto da estátua de D.Pedro foi recordado o seu heroísmo
durante o cerco do Porto.
Deu-se ainda destaque a Almeida Garrett – o político (parlamentar, diplomata e ministro), o pensador, o
dramaturgo, o prosador, o soldado que lutou ao lado de D. Pedro.
O carácter da cidade – livre, independente, franco, leal – e a sua relação com casario em anfiteatro, o
granito, o rio, a luz, a neblina e as magnólias foram sentidos pelos textos de Alexandre Herculano,
João Chagas e Manuel Teixeira Gomes, declamados na praça da Liberdade.
Toda esta magia da cidade milenária é sentida neste excerto de prosa poética de Sophia de Mello Breyner
“Nasci no Porto, a cidade, os seus arredores, as praias próximas, descendo para o sul, permanecem para
mim a pátria dentro da pátria a Terra materna, o lugar primordial que me funda”.
Ana Alice Cunha e Lourdes Graça Silva – Associadas do Clube UNESCO da Maia