A origem do topónimo “Maia”
Conhecer a origem do atual topónimo “Maia”, afigura-se relevante para compreender os fatores geográficos caracterizadores do território. Como é comum nestes assuntos de toponímia, que têm raízes que se perdem na bruma do tempo, as teses são variadas. Apesar disso, os estudos mais recentes, apontam para uma tese que parece, até ao momento, aquela que é dotada de maior veracidade. Esta tese foi apresentada e defendida, desde a década de 1970, pelo Professor Doutor Armando Coelho Ferreira da Silva, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que decifrou as inscrições encontradas em Alvarelhos (atualmente uma freguesia do concelho da Trofa, juntamente com Guidões). Esta nova perspetiva sobre a origem do topónimo “Maia”, foi despoletada pela descoberta da chamada “Ara dos Madequisenses” em 1972 e datada do séc. IV D.C., numa bouça da freguesia de Alvarelhos, atualmente do concelho da Trofa .
As inscrições fazem referência a um povo que terá existido na região do interflúvio Douro-Ave, que dava pelo nome de “Madequisenses”. Daqui terá derivado o topónimo “Maia”, o que aliás é corroborado pelas referências de documentos medievais ao “Castellum Madia”, que terá existido na atual freguesia de Águas Santas, perto do Alto da Maia.
Segundo José Augusto Maia Marques esta hipótese é “a mais plausível” até “sob o ponto de vista do significado” pois “justamente o radical indo-europeu MAD, que está na base da formação do termo Madia, exprime a ideia de “terra húmida.””
Ou seja, a característica húmida do território foi decisiva para o seu “batismo”. As condições geográficas do território ditaram o nome pelo qual ele passou a ser conhecido.
Segundo José Vieira de Carvalho “a evolução Madea>Madia>Maia é perfeitamente plausível e crível.”
Esta origem toponímica, parece ligar, umbilicalmente, o nome do território às suas características naturais, de terra com solos férteis e irrigados, propícios, portanto, à agricultura ou à lavoura. Atividades a que as mulheres e homens da Maia, e todos os quantos se fizeram maiatos por virem para a Maia trabalhar, nas casas de lavoura, sempre estiveram tão dedicados.
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A evolução da configuração geoadministrativa da Maia: influxo e consequências geográficas
Da fundação de Portugal ao Liberalismo
A organização do território, à data da fundação da nacionalidade, era caracterizada pela existência de Tenências (tenens), sendo que, “o tenente se foi convertendo na menção prioritária sobre as demais denominações ao que exercia funções políticas sobre uma terra ou «distrito» administrativo […] A supremacia militar dos infanções a nível local, a necessidade, por parte do rei, da sua colaboração na empresa da Reconquista, levou o monarca a tentar conquistar a sua fidelidade e a recompensar o serviço prestado com a concessão vitalícia de honores e tenências, isto é, da administração de uma região, lugar ou fortaleza, em beneficio do vassalo.”
Uma característica da Idade Média é a existência destes laços de dependência pessoal, entre o soberano e o vassalo, sob a forma de laços de vassalidade.
“As terras eram, pois unidades militares e administrativas” em que a autoridade era exercida por um tenente, elemento da aristocracia local. A Terra da Maia não fugia à regra e era uma tenência, sendo que, Gonçalo Mendes da Maia foi um dos seus tenentes mais conhecidos associado aos primórdios da Terra da Maia.
“Embora a documentação nos não forneça uma formulação teórica da tenência, um quadro lógico e completo da divisão administrativa, nem tão-pouco uma definição precisa das terras como unidades territoriais ou funcionais, estas eram, todavia, distritos jurisdicionais, em relação aos quais se precisava a localização geográfica de propriedades e povoações.”
As famílias que ocupavam as tenências adquiriram, em muitos casos, o nome da terra, sobre a qual, de alguma forma, detinham a jurisdição, como é o caso dos Mendes da Maia. Este fenómeno é descrito no volume III da “Nova História de Portugal”, da seguinte forma: “Dir-se-ia que a família estruturou o espaço e o espaço estruturou a família. O espaço estruturou a família, que passou a designar-se pelo nome desse espaço. A família, por sua vez, passou a ser a representação física desse mesmo espaço. À apropriação do nome seguiu-se a identificação com o espaço.”
Esta organização em tenências vigorou até ao século XIV, no entanto, o papel exercido pelos donatários das terras, não andava muito longe do das antigas tenências e foi perdendo protagonismo com a estruturação do poder municipal e com a consolidação centralizadora da Coroa.
A Maia nas Inquirições de 1258
Nos primeiros séculos do reino de Portugal “os diplomas régios…não nos tornam possível, pela falta de concretização, elaborar um mapa jurisdicional completo e pormenorizado que mostre com rigor os limites administrativos das circunscrições territoriais. E […] torna-se impossível, por agora, estabelecer com precisão […] a sua delimitação geográfica e a sua hierarquização”
No entanto, nas Inquirições de 1258, juntamente com outras realizadas nos séculos XIII e XIV, que representaram um importante instrumento de centralização e consolidação do poder do Rei, é possível ter uma ideia do que seria a configuração do território da Terra da Maia. Estes inquéritos funcionavam como meio do monarca “inspecionar” e averiguar a existência de alegados abusos praticados por senhores e populações locais, que alargavam, de forma ilícita, terras imunes, como coutos e honras , sobre as terras da Coroa negando-se a pagar os tributos e impostos a que estavam obrigados, não tendo, por isso, o objetivo de descrição e delimitação precisa e exata dos territórios, algo que se manifesta mais recentemente. Pelo que, no que à Maia diz respeito, pode haver muitas omissões quanto às localidades pertencentes ao território maiato.
No Mapa 1 podemos observar a dispersão das localidades pertencentes ao território maiato, mencionadas nas Inquirições de 1258.
Já referimos que muitas localidades e freguesias são omitidas, até porque, mas não só, algumas parcelas do território maiato constituíam terras imunes. A referência a estas terras é escassa, pelo facto de constituírem territórios que não estavam sujeitos diretamente à jurisdição régia, pois eram dotadas de privilégios e tinham uma jurisdição autónoma da Coroa. São exemplo deste facto a área abrangida pelo Couto de Moreira (coincidente com a área das atuais freguesias de Moreira e Vila Nova da Telha, no concelho da Maia) e pelo Couto de Leça do Balio (coincidente com as freguesias de Leça do Balio, Custóias e São Mamede Infesta, do concelho de Matosinhos, e com as freguesias da Maia e Gueifães, do concelho da Maia, considerando as freguesias, conforme existiram até à reforma administrativa de 2013). Este aspeto é mais evidente, como iremos verificar, no Mapa 2, que diz já respeito às localidades referidas do Foral da Maia de 1519.
Quanto à geografia da dispersão das localidades, ela extravasava muito os limites do atual concelho da Maia. Abrangia o território do atual concelho de Matosinhos, a norte do rio Leça, e, ainda, São Mamede Infesta, que fica a sul deste último; abrangia o território a sul do Ave, desde Azurara até São Martinho do Bougado. A leste, a referência às localidades maiatas é limitada pela emergência de uma linha de elevações, paralelas à linha de costa, desde Bougado, passando por Covelas, Folgosa, Alfena e, penetrando aí, pelo vale que liga a Valongo.
Desde já se denota a influência marcante dos elementos da geografia física, nesta simples análise das dispersões das localidades referidas nas Inquirições de 1258. Torna-se, assim, evidente, o papel de fronteira natural desempenhado, a norte, pelo rio Ave, a fronteira, obviamente intransponível, a oeste, do oceano Atlântico e, a leste, os relevos da Serra dos Cantoneiros. Chegando a Alfena, pela veiga do Leça e ribeiras afluentes, a área da Terra da Maia parece penetrar até Valongo, já nas faldas da Serra de Santa Justa. A sul, a delimitação choca com a área de influência do burgo portuense e com o concelho de Bouças (atual concelho de Matosinhos).
MAPA 1. Localidades referidas nas Inquirições de 1258 como pertencentes à Terra da Maia.
A Terra da Maia no Foral de 1519
Na segunda metade do século XIV, dão-se algumas alterações que vão perdurar até ao advento do liberalismo, no século XIX. Alterações essas relacionadas com a autonomia do concelho da Maia, que passava a estar dependente da cidade do Porto, em determinados aspetos.
Segundo Francisco Ribeiro da Silva “os reis D. Fernando e depois D. João I, cedendo às pressões dos burgueses portuenses que se queixavam de falta de gente e de insuficiente provimento de géneros, ofereceram à Câmara e à cidade como generoso alfoz os sete julgados ou concelhos circundantes…” . Isto sucedeu com a Maia que ficou sujeita e dependente da Câmara do Porto e do seu Senado Municipal. Apesar deste facto, a dependência não foi total e os concelhos visados mantiveram uma identidade própria, sendo esta situação corroborada, pelos forais novos, ou manuelinos, porque concedidos pelo rei D. Manuel I, a estes concelhos, independentemente do foral concedido ao Porto.
Na sequência do que acabamos de referir, é atribuída à Maia, uma carta de foral, pelo rei D. Manuel I, a 15 de dezembro de 1519, com o “título” de “Foral da Terra e Conçelho da Maya” . Embora não delimitando com exatidão o território maiato, pois não é essa a finalidade de uma carta de foral, e por isso omitindo outras localidades, é feita referência a um conjunto de localidades que o Mapa 2 representa.
Evidenciando as tendências verificadas no Mapa 1, verifica-se, em contraponto com este último, escassas referências à área a sul do rio Leça, do atual concelho de Matosinhos, e, mesmo a norte desde rio, as referências são menores. Área intensamente referenciada é a que, atualmente, coincide com a área do concelho da Trofa e com a área oriental do atual concelho da Maia. Surgem, mais uma vez, referenciadas localidades pertencentes às atuais freguesias de Alfena, Ermesinde e Valongo. E evidencia-se a pouca referenciação dos territórios pertencentes ao Couto de Moreira e ao Couto de Leça do Balio, na lógica do que atrás referimos.
A ordem pela qual as localidades são referidas, no Foral da Maia, evidencia uma ordenação segundo critérios geográficos, por este facto e decorrente da análise que fizemos ao documento, parece-nos que Álvaro Aurélio do Céu Oliveira se equivoca quando refere que a localidade de Lagoa, referida no Foral da Maia, corresponde à atual freguesia de Gueifães . Apesar de haver, ainda hoje, um lugar de Gueifães, que tem por nome Lagoa, parece-nos que a Lagoa que vem referenciada na carta de foral de 1519, diz respeito a um lugar da atual freguesia de Santiago do Bougado, no concelho da Trofa, isto tendo em conta o critério
MAPA 2. Localidades referidas no Foral da Maia (1519).
de apresentação implícita na ordenação das deliberações feitas às freguesias e pelas pistas que o próprio texto apresenta, nomeadamente a alusão ao casal que o neto do abade de Bougado teria em Lagoa.
Apesar da diferença de 261 anos entre as fontes que constituem o documento das Inquirições de 1258 e do foral de Maia de 1519, há localidades cuja referência é feita em ambas , o que pode ser um indicador da importância, solidez e constância dessas localidades, enquanto aglomerados populacionais.
Havendo interpretações que variam em pormenores, parece que o Concelho da Maia, por esta altura, tinha a configuração geográfica semelhante à que descreveu o Padre Agostinho de Azevedo. Ainda que superficial, a descrição é a seguinte: “Era limitada ao Norte pelo rio Ave, ao Poente pelo Oceano, ao Sul e a Nascente pela cidade do Porto e por uma linha abrangendo Rio Tinto, S. Mamede de Valongo, S. Lourenço de Asmes (Ermesinde), Alfena, Covelas e Bougados.”
A Terra da Maia no Numeramento de 1527
O Numeramento de 1527 , conhecido como “Numeramento ou Cadastro Geral do Reino, de D. João III”, é outra fonte do século XVI, realizado no reinado de D. João III, que nos dá informações mais precisas daquilo que seriam os limites geoadministrativos do concelho da Maia nesses anos, pois apresenta uma contagem de moradores ao nível da freguesia (no entanto, não corresponde ao total da população, pois excluiu as camadas mais jovens, não sendo contabilizados os chamados mancebos/solteiros, que tudo leva a crer que teriam um peso significativo no total da população). O mapa seguinte representa a área do concelho da Maia, em 1527, segundo o referido Numeramento.
MAPA 3. As freguesias da Maia conforme o Numeramento de 1527.
A definição mais rigorosa dos limites geoadministrativos da Maia, em 1527, confirma a tendência já identificada nos Mapas 1 e 2. Relevar que a fronteira norte é delineada pelo rio Ave, como havíamos referido, sento interrompida antes da foz do Ave, dado que Azurara não surge como localidade integrante do concelho da Maia. Nota-se, também, a ausência dos territórios correspondentes às atuais freguesias de Alfena e Valongo, bem como a associação de Baguim do Monte ao concelho da Maia.
Os dados populacionais recolhidos no Numeramento de 1527 consagram a freguesia de Águas Santas como a mais populosa, com 74 moradores, como podemos ver no Quadro 1. Algo que pode justificar a grande densidade de localidades referidas no foral da Maia, em torno e na área da atual freguesia de Águas Santas. O mesmo se poderá concluir de Santiago do Bougado, que é a 3.ª freguesia com mais moradores.
Leça do Balio é a 2.ª freguesia com mais moradores (73), apesar das referências na área desta freguesia não abundarem no foral da Maia, o que é explicado pelo facto de se tratar de uma terra imune, pertencente ao Couto com o mesmo nome. Lavra surge como a 4.ª freguesia mais povoada, com 70 moradores, e assim se explica, em parte, a densidade de referências, patente no foral da Maia, a localidades pertencentes a esta freguesia.
Parece, assim, haver uma correlação forte entre a densidade e proximidade geográfica das localidades referidas no foral da Maia e o peso populacional dessas áreas mais densamente referenciadas, ainda que, os dados populacionais do Numeramento de 1527 não nos deixarem tirar conclusões objetivas, permitindo, apenas, assinalar tendências.
Desta forma, uma área densamente referenciada pode constituir um indicador de que se trata de uma área com uma densidade populacional relativamente maior de que as restantes, capaz de se individualizar em diferentes núcleos populacionais próximos entre si. Daí que, sendo estas áreas mais densamente povoadas, haja uma maior complexificação das relações sociais, havendo necessidade de regulação por documentos, de alguma forma com carácter normativo e regulamentar, como o foral da Maia, que incidem sobre áreas problemáticas, que são, claro está, áreas onde vivem pessoas.
A Terra da Maia na obra de Francisco Ribeiro da Silva
São poucos os trabalhos que se têm dedicado à reconstituição daquilo que teria sido a área do concelho da Maia durante a época Medieval e Moderna. Francisco Ribeiro da Silva na sua obra “O Porto e o seu Termo (1580-1640). Os Homens, as Instituições e o Poder”, através do cruzamento de diversas fontes, chega a uma configuração geoadministrativa que se apresenta no Mapa 4. No entanto, tomei a liberdade de acrescentar ao mapa que o autor apresenta na sua obra a freguesia da Leça da Palmeira que, como o próprio refere, surge nos Livros de Vereações, ora localizada na Maia, ora localizada em Bouças (Matosinhos) . Francisco Ribeiro da Silva optou por, na sua obra, enquadrá-la em Bouças dada a sua posição geográfica. De qualquer forma, o que isto significa é que Leça da Palmeira teve sempre um carácter oscilante no que a esta matéria diz respeito.
Feita esta ressalva, a Maia seria composta, na época Moderna, mormente no período em que incidiu o estudo de Ribeiro da Silva (1580-1680), por 55 freguesias (incluindo Leça da Palmeira).
A reconstituição de Francisco Ribeiro da Silva consagra o rio Ave, desde a sua foz (incluindo Azurara) até São Martinho do Bougado, como o limite Norte do concelho da Maia, ou seja, uma delimitação altamente condicionada por este elemento da geografia física. O mesmo sucede, a leste, com a linha de relevos paralelos à linha de costa, que se estendem desde a atual cidade da Trofa até Valongo, essencialmente protagonizado pela Serras dos Cantoneiros e de Santa Justa. A sul encontramos o vale do rio Leça que, não sendo fronteira, como o rio Ave, é, pelo contrário, agregador, sendo que, a área do concelho se estende para sul deste rio, a partir de Alfena, e daí penetrando até Valongo, e atravessando Águas Santas, São Mamede Infesta, Leça do Balio e Custóias. Daqui para sul, os limites do concelho eram marcados pela área de influência direta do burgo portuense.
MAPA 4. A Maia entre 1580-1640 (período cronológico do estudo de Francisco Ribeiro da Silva).
Curiosamente, de Custóias para jusante, a margem esquerda do Leça deixa de pertencer à Maia, podendo esse facto estar, também, relacionado com condicionantes da geografia física pois, a partir daí, o vale do Leça torna-se mais encaixado e íngreme, dessa forma pouco propício à fixação de populações, não havendo a criação de laços de vizinhança que ajudam a constituir uma identidade comum, entre as populações ribeirinhas. Ainda hoje podemos constatar este facto, nesta área onde o Leça força a sua passagem.
As profundas transformações do século XIX
Parece paradoxal, mas o reconhecimento que os maiatos obtiveram, dos homens do liberalismo, pelo seu empenhamento na luta contra os absolutistas, nomeadamente na receção feita ao exército libertador, liderado por D. Pedro IV, que desembarcou em terras maiatas, na praia dos Ladrões, em Pampelido (Perafita) e acampou em Pedras Rubras, no ano de 1832, bem como no apoio prestado, aquando do cerco do Porto, não foi o pretendido em terras maiatas. Antes pelo contrário, como veremos. Daí a ingratidão que significou para o concelho, no entender dos seus representantes, o desmantelamento da sua unidade territorial secular devido às reformas administrativas do liberalismo.
O novo regime liberal “instaurou uma administração local centralista e hierarquizada que visava o controlo efectivo do território nacional e das comunidades locais pelo Terreiro do Paço; o liberalismo substituiu o «caos» e a dispersão administrativa do Antigo Regime e agravada pelas invasões francesas e pela instalação da corte no Brasil, por um sistema burocratizado e centralizado assente num processo sistemático de nomeação de agentes do Estado, representantes do poder central…” . O concelho da Maia foi um dos mais visados por esta reforma, sendo que, em 1835, antes da reforma se iniciar, este era composto por 52 freguesias.
O Mapa 5 representa a dimensão do concelho da Maia antes do decreto de 6 de novembro de 1836. Nele nota-se a ausência de Leça da Palmeira e das freguesias do atual concelho de Matosinhos, que pertenciam ao couto de Leça do Balio, e de Azurara, junto à foz do Ave, na sua margem sul. A sul surge uma incorporação inédita protagonizada pela freguesia de Paranhos, que aparece associada ao concelho da Maia, após a extinção do couto de Paranhos. Outra freguesia associada à Maia, pela primeira vez, é a de Santa Cristina do Couto, cuja integração se dá após a extinção, desta feita, do couto de Santo Tirso. Estas novidades surgem muito mais enquadradas numa solução de recurso face ao processo de extinção dos privilégios locais e terras imunes, levadas a cabo pelos governos liberais, do que, como soluções definitivas com perspetivas de consolidação futura.
MAPA 5. O concelho da Maia antes do início do processo de desanexações em 1836.
Outro aspeto a analisar, no Mapa 5, é o traçado das principais estradas que atravessavam o concelho da Maia, na primeira metade do século XIX. Uma análise já do âmbito da geografia humana. Pelos territórios que ligam (ligando o Porto às principais cidades do Noroeste português), essas estradas faziam da Maia um autêntico território de interface, entre a cidade do Porto (que vivia, com o advento das ideias liberais, um período em que começa a industrializar-se e a fervilhar economicamente), e o hinterland rural.
Desta forma, notamos que o papel que estas estradas desempenhavam, nos locais por onde passavam, era desbloqueante, proporcionando o desenvolvimento de atividades de apoio aos viajantes, como hospedarias e “vendas”. Estas estradas proporcionaram uma dinâmica estruturada, ao longo de autênticos “corredores” de circulação, onde pessoas e bens, provenientes do hinterland rural e das cidades nortenhas, procuravam a cidade do Porto e vice-versa. Assim, ao longo do território maiato, podemos assinalar três corredores estruturais, por onde circulava a “seiva” da Maia e da região, que marcaram, e foram marcados, pela organização do território. Assim temos: um corredor ocidental, definido pela estrada que do Porto segue por Águas Santas (Alto da Maia), Ermesinde, penetra pela veiga do Leça até Santo Tirso e daí bifurca, ora para Guimarães, ora para Braga, via Famalicão; um corredor central, consubstanciado pela estrada Porto-Braga, passando por Gueifães, por Barreiros (atual sede do concelho da Maia), pelo Castêlo (ao tempo, sede do vasto concelho da Maia), seguindo em direção à Trofa, Famalicão, atingindo Braga; e um corredor ocidental “corporizado” pela estrada que saía do Porto em direção ao Padrão da Légua e aí se bifurcava, ora por uma via litoral em direção a Vila do Conde e Póvoa do Varzim, ora por uma via mais interior tendo como destino Barcelos (seguindo, grosso modo, o percurso da antiquíssima Via Veteris). A oriente, referir ainda, a curta passagem, por território maiato, da estrada que ligava o Porto a Penafiel e, daí a Vila Real, via Valongo.
Estes corredores, como podemos verificar no Mapa 5, não se encontravam localizados por acaso. O influxo geográfico é determinante, senão vejamos: o corredor ocidental penetra, desde Alfena até Santo Tirso, no vale do Leça, fugindo aos relevos da Serra dos Cantoneiros, por um lado, e da Serra da Agrela, por outro; o corredor central desenvolve-se ao longo da área central do atual concelho da Maia, que é uma área muito próxima da planície com vales pouco acentuados e, mais a norte, passa ao longo das faldas da Serra de Santa Eufémia, do Monte Grande e do Monte de São Gens de Cidai, daí encontrando um vale do Ave plano (a Serra de Santa Eufémia marca perfeitamente a distinção entre as áreas de influência do corredor central relativamente ao ocidental, de resto, nos dias de hoje, é aí que se encontra a fronteira entre os concelhos da Trofa e Vila do Conde); por fim, o corredor ocidental, que é aquele que encontrou melhores condições geográficas para se desenvolver ao longo de uma faixa ocidental mais aplanada.
MAPA 6. A Maia após o decreto de 6 de novembro de 1836.
A partir de 183, inicia-se o processo de desanexações de diversas freguesias, decorrente de uma reforma que apresentou muitos defeitos e que esteve exposta e permeável a várias pressões. Desde logo, a reforma foi feita por técnicos que não conheciam os territórios em causa, não valorizando a identidade geográfica e cultural dos mesmos, não tiveram em conta os interesses das populações, que no caso da Maia, demonstraram a intenção em continuar no concelho, e outras houve, que manipuladas e aliciadas por municípios vizinhos, na sua ânsia de alargar os respetivos territórios, solicitaram a desanexação do concelho.
Assim, por Decreto de 6 de novembro de 1836, são desanexadas 31 freguesias ao concelho da Maia, tendo a “distribuição” sido a seguinte (indica-se o concelho para onde transitaram, seguido do nome das freguesias):
- Porto – Paranhos;
- Valongo – Alfena, Ermesinde e Valongo;
- Matosinhos – Guifões, Lavra, Labruge (mais tarde transitou para Vila do Conde), Perafita e Santa Cruz do Bispo;
- Santo Tirso – Covelas, Guidões, Muro, Santa Cristina do Couto, S. Mamede de Coronado, S. Martinho de Bougado, S. Romão de Coronado e S. Tiago de Bougado;
- Vila do Conde – Alvarelhos, Árvore, Canidelo, Fajozes, Fornelo, Gião, Macieira, Mindelo, Modivas, Retorta, Tougues, Vairão, Vila Chã e Vilar;
Em 1855, outro decreto desanexava, desta vez, Malta, ingressando esta freguesia em Vila do Conde.
A 26 de junho de 1867, acontece o impensável, o concelho é suprimido, por um decreto desse mesmo dia. As 20 freguesias são distribuídas pelos concelhos de Gondomar, Matosinhos, Santo Tirso e Vila do Conde. No entanto, as manifestações de desagrado do povo maiato e dos seus representantes valeram alguma coisa, pois o decreto de 26 de julho é revogado a 14 de janeiro de 1868, voltando o concelho a ter 20 freguesias.
Mas os problemas para o concelho ainda não tinham terminado. E, em 1870, transitam para o concelho de Vila do Conde, as freguesias de Guilhabreu, Mosteiró e Vilar do Pinheiro, seguindo, o mesmo destino, a freguesia de Aveleda, em 1871.
No final de todas estas desanexações o concelho da Maia ficou reduzido a 16 freguesias, sendo elas: Águas Santas, Moreira, Vila Nova da Telha, Barreiros, Santa Maria de Avioso, São Pedro de Avioso, São Pedro Fins, Folgosa, Vermoim, Barca, Gemunde, Gondim, Gueifães, Nogueira, Milheirós e Silva Escura. A partir deste momento a Maia ficou com uma configuração geoadministrativa muito próxima da atual. A única exceção foi, em 1985, a criação da freguesia de Pedrouços, que era até então um lugar de Águas Santas.
MAPA 7. A Maia após a perda de Malta por decreto de 8 de maio de 1855.
Por conseguinte, o resultado do atual desenho administrativo do concelho pouco ou nada deve a condicionantes da geografia, em contraponto com a configuração anterior a 1836. A configuração a que se chegou é, no mínimo, invulgar, mas representa o coração da antiga Terra da Maia. A influência humana, através de decisões políticas discutíveis no processo de desmembramento do concelho, no século XIX, não conseguiu destruir traços identitários e peculiares da cultura maiata que ainda hoje permanecem.
O território maiato e as suas dinâmicas no século XX
Com o fim das convulsões causadas pelo processo de desmembramento, a que o concelho da Maia foi sujeito, no século XIX, e com a transferência da sede do concelho, no início do século XX, havia chegado ao fim uma fase conturbada na História da Maia e foi-se criando a estabilidade propiciadora de períodos de crescimento e de desenvolvimento.
O século XX maiato fica marcado por um forte crescimento populacional em todo o concelho, à semelhança do que acontecia na globalidade do país, e particularmente no litoral. A melhoria das condições de vida são o principal fator a contribuir para este crescimento generalizado da população. Mas o crescimento da população concelhia não é homogéneo e a distribuição da população concelhia é condicionada pelos acontecimentos do século XIX, que estiveram na génese da transferência da sede do concelho para Barreiros, proporcionando uma maior proximidade da sede concelhia ao Porto.
Desde o Recenseamento Geral da População de 1864, o polo constituído pelas freguesias de Águas Santas/Pedrouços evidenciou-se como o mais populoso do concelho devendo-se tal facto à proximidade destas freguesias à cidade do Porto, constituindo, o seu território, uma área de expansão do espaço urbano do Porto, com o qual estava, e está, muito interligado. A freguesia de Moreira, também se assumiu, desde 1864, como a segunda freguesia mais populosa, no entanto, esse estatuto foi perdido desde o Recenseamento Geral da População de 1991. De referir que a instalação em parte da área desta freguesia do Aeroporto de Pedras Rubras (na década de 1940) não foi o móbil deste protagonismo pois, este já vinha de trás.
A freguesia da Maia, em 1864 ainda designada por Barreiros, evidenciava, já no recenseamento desse ano, um peso populacional de primeira linha, beneficiando das relativamente boas acessibilidades à cidade do Porto, por via da estrada Porto-Braga, vinda de São Mamede Infesta. Juntamente com a freguesia da Maia, as freguesias de Gueifães e Vermoim, viriam a desenhar um polo populacional significativo, no âmbito concelhio. Já a freguesia de Santa Maria de Avioso, onde se localizava a antiga sede do concelho, foi ocupando, de acordo com os dados dos diversos recenseamentos, uma posição secundária, em termos de peso populacional.
Merece, também, nota um acontecimento formal importante, que se verificou em 1950: a alteração do nome da freguesia e vila de Barreiros para Maia. Assim sendo, a sede do concelho passou a ter a mesma designação do concelho.
Quanto verificamos a evolução da dinâmica populacional da Maia, ao longo do século XX, concluímos que houve um gradual e global crescimento, em todas as freguesias. No entanto, esse crescimento não foi homogéneo, assim como a sua distribuição. Tornando-se evidente, que as freguesias do sul do concelho, apresentaram maiores contingentes de efetivos populacionais, devido à sua proximidade à cidade Invicta e às melhores acessibilidades ao coração da metrópole. Foram estas freguesias as primeiras a sentirem, na Maia, os efeitos da suburbanização, em torno dos grandes centros urbanos.
Dentro desta área do concelho, com mais dinamismo em termos de crescimento populacional, evidenciaram-se dois polos: um polo “antigo”, porque não representava uma novidade, que era constituído pelas freguesias de Águas Santas e Pedrouços; e um outro, com uma emergência recente, que é constituído pelas freguesias da Maia, Gueifães e Vermoim que, desde 1986, constituem a área da Cidade da Maia e, desde 2013, a Freguesia da Cidade da Maia. Este último polo foi, sem dúvida, estimulado pela transferência da sede do concelho, para a Maia e, mais recentemente, pela abertura da “Via Norte”, concretizando uma via rápida de ligação ao Porto, como variante às Estradas Nacionais 13 e 14. Este último fator contribuiu, de sobremaneira, para a dinamização da expansão urbana do Porto para norte.
A elevação a cidade, em 1986, corrobora a emergência e crescimento deste polo em diversos aspetos, tendo à cabeceira, o elemento populacional.
Freguesias como Nogueira e Milheirós, localizadas nos interstícios destes dois polos apresentaram, também, um crescimento populacional assinalável, assim como Moreira, que veio consolidando a sua posição, como uma das freguesias mais populosas do concelho algo que, como já vimos, não foi novidade.
A Maia Hoje
A Maia como hoje a conhecemos afirma-se, territorialmente, enquanto cidade e concelho de forma significativa. O take off dessa afirmação, foi o momento em que a sede do concelho foi transferida para a então freguesia de Barreiros pois, pela primeira vez, a Maia estava dotada de um centro administrativo e político, capaz de se afirmar, enquanto aglomerado urbano, junto à Estrada Nacional 14 e beneficiando da proximidade ao Porto e do crescimento populacional.
A primeira metade do século XX, constituiu um período de estabilização em que, não se rompeu abruptamente com dinâmicas do passado, continuando, a Maia, marcada por uma ruralidade profunda, desempenhando um papel típico de um território de hinterland rural, enquanto abastecedora de “frescos” à cidade do Porto.
A partir dos anos de 1950, com a melhoria resultante de investimentos em infraestruturas como o Aeroporto de Pedras Rubras e o Porto de Leixões e, mais recentemente, com a abertura da “Via Norte”, na década de 1970, e a melhoria de outras acessibilidades, começaram a fixar-se no território maiato atividades económicas, ligadas à indústria e serviços, que foram transformando a face do concelho, desprendendo-o do estereótipo único, de concelho rural.
A “Via Norte” impulsionou, como já vimos, o aumento da população, por via da maior proximidade ao Porto, e um consequente processo de urbanização, de industrialização e terciarização, ao longo do eixo definido pelo traçado da “Via Norte”.
O aglomerado periférico protagonizado pela Maia passou, a partir daí, a constituir o local de eleição para residência de muitos que tinham os seus empregos na cidade Invicta. “Daí que se mantenha ainda a predominância tipológica das habitações unifamiliares isoladas e/ou geminadas, em matriz dispersa ou linear, de um ou dois pisos, com os seus quintais ou jardins, pontuada, excepcionalmente, por alguns núcleos de habitação plurifamiliar (de salientar os conjuntos de habitação social do ex-FFH e as diversas cooperativas de habitação, construídas a partir da década de 70), que marcam, de forma incisiva, o ambiente urbano da Maia.”
Nos últimos 20 anos, constituiu uma importante medida de ordenamento territorial a criação de Zonas Industriais, face à proliferação pelo concelho, em meios inadequados, de unidades produtivas e armazenistas. O que é indicador da vitalidade do sector industrial e empresarial no concelho.
MAPA 8. A Maia Hoje. A afirmação de uma centralidade?
O concelho viu-se, ainda, apetrechado com novas infraestruturas rodoviárias (como a A3, A4, A28, A41 e VRI), ferroviárias (como o Metro do Porto, estando previsto o alargamento da rede) e aeroportuárias (com melhorias no Aeroporto Francisco Sá Carneiro e a abertura do Aeródromo Municipal de Vilar de Luz). O nível de importância, alcance e impacto destes melhoramentos de acessibilidades vão desde o âmbito nacional ao local. “A própria elevação à categoria de cidade traduz um reconhecimento do acréscimo de polarização ao nível das dinâmicas urbanas territoriais.”
Em termos administrativos, e ao nível das freguesias, em 2013, entrou em vigor uma nova reforma administrativa, que veio diminuir de 17 para 10, o número de freguesias do concelho, por agregação de várias (e não por desanexação para outros territórios). Mas sobre essa reforma e as suas consequências, falaremos noutra melhor oportunidade.
Em síntese, a Maia de hoje é fruto de uma evolução positiva, acentuada nos últimos 40 anos, com fortes indicadores de crescimento e desenvolvimento. Beneficia, também, de uma posição privilegiada, no seio da Área Metropolitana do Porto (AMP), em termos de acessibilidades, o que potencia este território enquanto interface (característica que já havíamos apontado anteriormente, só que num outro período e noutras condições), entre o espaço metropolitano e outros espaços regionais e, aproveitando as potencialidades do aeroporto, entre o país e o mundo.
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MARQUES, J. A. Maia – 500 anos do Foral da Maia