Labor omnia vincit improbus – Virgílio, Geórgicas ( O trabalho vence todas as dificuldades)
No dia 12 de Julho disponibilizou-se ao público o Manuscrito do século XIX, Memórias de tempos idos, de Joaquim Antunes de Azevedo, natural de Vilar do Pinheiro, escrito na freguesia de
Vila Nova da Telha, entre 1828 e 1889.
Com a publicação do III volume concluímos a transliteração das memórias que o Padre Joaquim Antunes de Azevedo escreveu para dar a conhecer a quem as ler os costumes e usos da Maia.
Os objetivos de escritas do autor eram legar memória escrita, de factos do seu tempo, às gerações vindouras, antes que tudo se perdesse.
Os objetivos do Clube Unesco da Maia perspetivaram homenagear o autor; cumprir um dever de cidadania, ao divulgar uma fonte de investigação importantíssima e ainda “Imprimir um impulso
vigoroso à educação popular e à difusão da cultura”. – Um dos objetivos da UNESCO.
Contexto
O Concelho da Maia de então possuía uma área mais extensa que a de hoje. A Maia rural tinha fortes interesses na terra e no mar; a agricultura era a principal fonte de riqueza. Uma sociedade
tipicamente rural, com forte desequilíbrio social, dominada pelos detentores de terras, os Lavradores da Maia; politicamente, as lutas liberais que as Terras da Maia conheceram muito bem;
forte insegurança, motivada pela falta de recursos e instabilidade política. É neste contexto que o autor escreve as suas memórias.
O autor e a obra
O autor usa um discurso linear, previsível, característica que manteve ao longo de todo o documento. Muitas das narrativas resultam da observação direta dos factos. Os relatos de situações
do quotidiano são recorrentes. Raramente opina sobre factos, certamente por prudência, daí sabermos muito pouco sobre o autor. Ficamos, contudo, com a certeza de que a mensagem bíblica:
Unaquaeque enim arbor de fructu suo cognoscitur. Pelos seus frutos conheceis a árvore. (S. Lucas, 6.44.) se aplica, na plenitude, a Joaquim Antunes de Azevedo e à sua obra.
Temas
No Manuscrito encontramos temas variados: as lutas liberais e o desembarque de D. Pedro, em Pampelido; a estrutura sócio económica; os mosteiros e centros de culto; os vestígios arqueológicos,
curiosidades (registos de usos e costumes hoje desaparecidos).
. O desembarque de D. Pedro em terras da Maia
O autor fala do desembarque de D. Pedro à frente do exército libertador. Refira-se, como memória da sua passagem por Moreira, o episódio dos três ‘efes’, passado entre D. Pedro e o dono da
locanda (venda), quando o locandeiro diz que a comida eram fanecas de três ‘efes’.
“Então o que é peixe de três efes”?
“É faneca, fresca, frita”.
O Sr. D. Pedro comeu e depois disse ao locandeiro:
“Não tenho aqui dinheiro para lhe pagar e então fica sendo o peixe de 4 ‘efes’: faneca, fresca, frita, fiada”.
. Os Lavradores
As casas de lavoura com características únicas, na volumetria, no tipo de arco de entrada, nas janelas em guilhotina, emolduradas de granito, e em muitos outros aspetos. O Manuscrito faz
referências diversas a estas casas sobre a construção e reconstrução, pela mão do brasileiro que voltou rico, ou pela do Lavrador. Um documento de excelência para se estudarem estes imóveis.
Têm as casas tido uma progressiva melhoria, como se vê das antigas e modernas, que, confrontadas estas com aquelas, pareciam as modernas uns palácios.
Estabelecemos relação entre estas reconstruções e a venda de gado para Inglaterra e ainda o dinheiro dos brasileiros de torna viagem.
Os casamentos ‘apalavrados’. A preocupação em não retalhar as Casas levava a que os casamentos fossem uma espécie de contrato entre os pais dos nubentes. O autor nomeia a Casa de onde saem
os nubentes e a Casa para onde vão casar. Na verdade, estes registos referem apenas os filhos das Casas de nome, pois os de menores posses casariam na terra onde nasceram, sem necessidade
de outras intervenções.
Monumentos e vestígios arqueológicos. Joaquim Antunes de Azevedo assinala alguns os vestígios arqueológicos que conhece. Castro do Boi, O convento de Vermoim, Aras, altares, pias…
Curiosidades:
O “piopardo”, brincadeira destinada a iniciar os novatos no mundo adulto. O engano que os rapazes e homens mais velhos faziam aos novatos era caçar o piopardo. O novato, abandonado na mata,
chamava: “ pio-pardo, anda ao saco, piopardo, anda ao saco, que se te apanho faltam três para quatro!”
Os ladrões das estradas
São frequentes as notícias sobre os ladrões que apareciam nos caminhos, ditos ‘ladrões das estradas’. As casas eram construídas com fortes proteções e esconderijos de ataque e defesa.
Os pobres
O autor não teve como preocupação fazer registos das camadas sociais mais baixas. Apenas alguns apontamentos como este, dos que ofereciam as suas preces, nas cerimónias religiosas, a favor
dos que podiam pagar 20 réis por ouvir missa de defuntos, ou assistir a um funeral, por 40 réis ou ainda levar o caixão à igreja por 480 réis.
Conclusão
A publicação deste documento é um marco decisivo para a investigação sobre aspetos relevantes da História Contemporânea.
Atendendo à amplitude e grandeza da sua obra: Memórias de tempos idos, a níveis diversos. Este documento que agora o Clube UNESCO da Maia torna público, contribui para melhor se estudar um
período da História Contemporânea, não apenas da Maia.
Na apresentação da obra, a cargo do professor doutor Jorge Fernandes Alves, esclareceu o alto valor desta obra, enaltecendo o contributo que o Clube UNESCO da Maia tem prestado à cultura da Maia.
Por sua vez, o Presidente do Clube enalteceu os valores do Património imaterial, a biodiversidade e a tradição definidos na 32 Convenção, no ano 2003.
Lourdes Graça