No dia 12 de julho, inserido nas atividades da feira do livro da Maia, o clube UNESCO da Maia, a exemplo dos anos anteriores, proferiu
uma conferência. O tema foi “A Senhora da Maia”.
Personalizaram-se três Senhoras: Carolina Michaëlis, estudo realizado pela associada Ana Alice Cunha; Maria Peregrina de Sousa, estudo
de Maria Manuela Baptista e uma abordagem bastante abrangente das Senhoras da Quinta do Mosteiro de Moreira, pelo associado Gabriel Gonçalves.
Foi um momento deveras interessante, pela oportunidade da temática e também pelo rigor da investigação de cada um dos palestrantes.
“Carolina Michaëlis: Sabedoria e Humanidade”
Carolina Michaëlis, com a família, na sua casa em Águas Santas (Ilustração Moderna, 1908)
Alemã por nascimento, portuguesa por opção cultural, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, filóloga de valor internacionalmente reconhecido, é considerada a “fundadora da história científica da nossa literatura”. (António Sérgio, prefácio da primeira edição do volume I de Ensaios).
Ser humano excepcional no plano científico e familiar, também a preocupação social foi constante na sua vida. Cidadã de causas, atenta ao que se passa no seu país de origem e na sua pátria de adopção sobretudo no que se refere à situação da mulher, escreveu artigos para “O Comércio do Porto” e “Primeiro de Janeiro” em que destaca o papel da instrução e do trabalho na emancipação feminina. Empenhou-se no ensino do trabalho técnico feminino e na organização do Ensino Técnico Feminino.
Em várias publicações destacou a importância da literatura infantil no desenvolvimento da personalidade da criança e nesse sentido apoiou, comentando e prefaciando, contos e lendas de autores portugueses.
A sua casa de Águas Santas, concelho da Maia, foi ponto de encontro de amor, ciência e cultura. Ali passava férias e fins de semana, trabalhava na investigação, recebia amigos, personalidades da cultura e da ciência, mas também apoiava e atendia os humildes da aldeia quando necessitavam da sua ajuda.
A ela se referiu José Leite de Vasconcelos: “…Dona Carolina Michaëlis pertence ao mundo das pessoas que só raramente aparecem no mundo. Que espírito tão claro! Que vigor de trabalho! Que coração tão bom!”
Uma carta de D. Carolina Michaëlis, Revista Lusitânia 4, fascículo 10, 1927).
Ana Alice Matos Cunha
Refira-se a investigação realizada pelo Clube, na casa de Águas Santas, no estudo dos moinhos da Maia, de que resultou a obra: Moinhos do Leça, 2011,
Tomou depois a palavra Gabriel Gonçalves que tratou uma parte da sua investigação sobre as Senhoras do Mosteiro de Moreira.
As Senhoras da Quinta do Mosteiro
Dona Rita de Moura Miranda, mãe de Luís de Magalhães
A Quinta do Mosteiro de São Salvador de Moreira constitui um valiosíssimo património da Terra da Maia. No âmbito do processo de desamortização dos bens das ordens religiosas, ocorrido após a guerra civil entre liberais e absolutistas, a Quinta foi adquirida pelo Desembargador Luís Lopes Vieira de Castro e, posteriormente, em fevereiro de 1874, pela viúva do Desembargador, Dona Emília Angélica, foi vendida a Dona Rita de Moura Miranda, viúva do deputado José Estêvão e mãe do Conselheiro Luís de Magalhães.
Apesar do conselheiro Luiz de Magalhães ser considerado a figura proeminente desta Quinta pelo papel que desempenhou na cultura e na política portuguesa entre os finais do século XIX e meados do século XX, devemos realçar o papel das senhoras que viveram nesta Quinta, ao longo dos últimos duzentos anos, nomeadamente, por Dona Emília Angélica Cardoso Guimarães Vieira de Castro, Dona Rita de Moura Miranda e por Dona Maria da Conceição de Lemos Pereira de Lacerda Sant´Iago, também conhecida por Madame Magalhães Moreira ou Madame Luiz de Magalhães.
Em fevereiro de 1874 é celebrada a escritura de compra e venda da Quinta do Mosteiro de São Salvador de Moreira. Dona Joana Inês, neta de Dona Rita relata no texto “ Luiz de Magalhães – A sua Evolução Espiritual” que sua avó pediu a opinião de uma autoridade eclesiástica, previamente à aquisição da “casa de família”.
Nos últimos anos de sua vida e, devido ao seu estatuto social, Dona Emília Angélica faz o recolhimento no Convento de São Bento da Avé-Maria no Porto, onde, de acordo com relatos do Padre Joaquim Antunes de Azevedo, gasta grossas somas de dinheiro. Faleceu em Maio de 1882 e sepultada no cemitério da Lapa, onde já se encontrava sepultado o seu falecido marido.
De facto, a Quinta do Mosteiro tem vindo a ser estudada pelo Clube, por diversas razões, a personagem de Luís de Magalhães, protagonista de uma das obras de Lurdes Graça continua a ser uma personagem quase esquecida, apesar do seu valor.
A última comunicação foi proferida pela Manuela Baptista que tratou Maria Peregrina de Sousa, até há pouco quase desconhecida.
Maria Peregrina de Sousa nasceu no Porto, na rua dos Caldeireiros, paróquia da Sé, em Fevereiro de 1809.
O pai, António Ventura de Azevedo e Sousa, natural do Sendal, Moreira da Maia, sirgueiro de profissão, era primo direito da mãe, D. Maria Margarida de Sousa Neves, natural do Porto.
Uma escritora que atravessa o século XIX -1809-1894 – atravessa também todas as vicissitudes de várias guerras.
Em 1809, Soult entra no Porto e os pais de Peregrina que então só tinha o nome de Maria, fogem com ela para S. João de Canelas, em Gaia, paróquia onde o padrinho, António José Francisco, era abade. Mas não estavam seguros. Os franceses não respeitavam ninguém.
Os pais de Maria andaram escondidos e a mudar-se de um lado para o outro. É isso que leva o padrinho a acrescentar Peregrina ao nome de Maria, nome que adopta.
A família passava muito tempo em S. João de Canelas enquanto António José Francisco foi vivo. Depois da sua morte, em 1823, Peregrina vai mais a Moreira mas vive no Porto devido ao negócio do pai.
A partir dos nove anos acompanha a mãe a toda a parte e, no Porto, iam muitas vezes ao teatro.
Quando, em 1832, as tropas miguelistas cercaram o Porto, veio com mãe e a irmã ( e talvez o irmão) para a Quinta de Santa Luzia, em Moreira. O pai fora preso e levado para Penafiel por se recusar a cumprir ordens de D. Miguel.
Com o desgosto, a saúde da mãe foi-se deteriorando, e morreu sem voltar a ver o marido.
Acabada a guerra civil a família passa a viver em Santa Luzia pois o pai da escritora fora nomeado Administrador do Concelho da Maia. Maria Peregrina de Sousa dedica-se então aos livros e começa a escrever xácaras e pequenos romances que envia em 1842 e 1843, anónimos, para o “Archivo Popular” de Lisboa.
Em 1844 e 1845 manda para a “Revista Universal Lisbonense”, redigida por A. F. de Castilho, as “Superstições Populares do Minho” assinadas pela “Obscura Portuense”. Castilho não descansa enquanto não descobre quem é este autor/autora e surge uma amizade que se traduz numa importante troca de correspondência. O poeta vai mesmo visitar Peregrina e a família a Moreira da Maia em 1854, como relata na Revista Contemporânea de Portugal e Brasil (1861).Por influência de Castilho, Maria Peregrina publica no “Iris”, do Rio de Janeiro.
Em 1851 escreve, em “O Pirata”, “O grilinho da lareira”, poesia que volta a publicar, em 1855, no “Almanach de Lembranças” mas altera alguns versos.
Em 1856 morre-lhe o pai e Peregrina passa a viver só com a irmã, Maria do Patrocínio, no Porto, enfrentando algumas dificuldades económicas e tendo ainda que sustentar demandas com o irmão.
Em 1864 morre-lhe a irmã, muito mais nova que ela. O desgosto acaba-lhe com a vontade de escrever.
É no Porto que continuará a residir até ao fim da vida. Em 1865,no “A Esperança”, escreve um folhetim, “Maria Isabel”, que dedica à irmã e que é depois publicado em livro e dedicado pelo editor ao Visconde de Vilar d’ Allen. Nele, a autora usa a linguagem do povo, adquirida na convivência com os lavradores desde a sua infância, aspecto que muitas vezes se salienta na sua obra.
O primeiro romance de M. P.S., em livro, foi publicado em 1859 e dedicado a Castilho. Tem o título “Retalho do Mundo”. Cada capítulo começa com um provérbio, rifão ou anexim, tal como acontecia com “Maria Isabel” na primeira publicação.
“Rhadamanto ou a Mana do Conde”, romance que a autora privilegiava e que não publicara por falta de meios, é impresso em 1863 a expensas da Sociedade Madrépora do Rio de Janeiro e inclui o romance “Roberta ou a Força da Simpatia”, publicado em folhetim no “Periódico dos Pobres no Porto”, em 1848.
O quarto e último romance em livro, “Henriqueta”, é datado de1876, embora já tivesse sido publicado em folhetim em “O Pirata” (1850).
Para além dos periódicos já referidos, colabora ainda em três periódicos de poesia:
«A Miscelânea Poética» – 1851 e 1852
«O Bardo» – 1852
«A Grinalda» – 1855 a 1869
Colabora, tal como a irmã que também escrevia poesia, num periódico quinzenal de literatura e modas, “O Recreio das Damas”. O primeiro número é de 1859 e só existem 4 exemplares na Biblioteca Pública Municipal do Porto. Registe-se ainda a colaboração no “A Aurora”, em 1852, em “O Lidador”, em 1854, e no “Almanach das Senhoras para Portugal e Brasil” onde , segundo creio, aparece a sua última publicação em periódicos: uma poesia de 1871. Publica numerosos trabalhos em “O Braz Tisana”.
Comenta alguns versos dos “Fastos de Ovídio” traduzidos para português por Castilho que lhe pediu essa colaboração.
Escreve para José Leite de Vasconcelos, em 1882, um artigo intitulado “Costumes Populares da Maia”, incluído no ”Anuário das Tradições Populares Portuguesas” de 1883.
Leite de Vasconcelos compilou as “Superstições do Minho”, da autoria da escritora, anteriormente publicadas avulso na “Revista Universal Lisbonense”, e publicou-as na “Revista Lusitana”, em 1900/1901, com o título “Tradições Populares do Minho”. É por este trabalho que se torna reconhecida, mas é injusto fazê-lo só por isso, pois escreve poesias, xácaras, contos, romances, crónicas, charadas, tendo presente o quotidiano popular e burguês , afirmando-se também como folhetinista.
Se atentarmos à obra de Maria Peregrina de Sousa vemos nos seus romances e nos seus pequenos contos, e até em algumas poesias, uma inegável preocupação moralista, consequência, sem dúvida, da sua educação mas também da capacidade de observar com espírito crítico o ambiente que a rodeia. Os vícios da sociedade preocupam-na e procura levantar problemas como o da educação, do papel dos pais, do equilíbrio dos gastos, da vaidade…
D. Maria Peregrina de Sousa morreu a 16 de Novembro de 1894, no Porto, na Rua de Santa Catarina. Ficou sepultada em Agramonte, no Cemitério Privativo da Ordem do Carmo.
Considerando-se uma «Obscura Portuense», a Maia foi o seu local de trabalho e inspiração .
Transcrevo o excerto de um poema de Campos Monteiro que julgo vir a propósito:
«Isto dá glória à terra! É uma vergonha
que a vila em que nasceu não retribua!
Hei-de propor à Câmara que ponha
o seu nome na esquina de uma rua! »
Manuela Peixoto Baptista – Associada do Clube UNESCO da Maia
A Cordenadora da sessão, Lourdes graça, fez uma síntese do evento:
Acabamos de assistir a uma conferência sobre a temática da Maia
cujus palestrantes mais uma vez,souberam comunicar dados relevantes sobre esta Terra da Maia.
Foi mais um passo e outros serão pelo Clube UUNESCO da Maia que tem pautado a sua ação
no cumprimento dos objetivos da UNESCO Cultura, Educação, Ciência e Comunicação).
De facto, o Clube UNESCO da Maia tem contribuido para que o nosso concelho seja mais conhecido.
As inúmeras conferencias, a publicação de obras de investigação são disso um bom esemplo.
Lourdes Graça